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domingo, 31 de janeiro de 2016

Incêndio no Museu da Língua Portuguesa: Mais Lições

Como publicado no post anterior, o incêndio no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, no dia 21 de dezembro de 2015, que custou a vida de um Bombeiro Profissional Civil (BPC), permite a reflexão sobre vários aspectos do Gerenciamento de Emergências.

O incêndio no Museu.
(Foto: Reprodução/Twitter - http://vejasp.abril.com.br/)

Vou continuar a discorrer sobre a trágica perda do BPC Ronaldo Pereira da Cruz. Como foi publicado no site da Veja São Paulo:
Após a evacuação, o colega Antônio, da equipe de manutenção do centro cultural, tentou impedir que o brigadista voltasse ao prédio, mas ele quis encarar as chamas. Socorrido pelo Corpo de Bombeiros, Cruz morreu horas depois.

Já escrevi sobre o problema da proteção respiratória no post anterior. Antes de continuar sobre outro tema, sou obrigado a abrir um parênteses... Ao contrário do que grande parte da imprensa e algumas autoridades falaram e escreveram, Brigadista e Bombeiro Profissional Civil NÃO SÃO A MESMA COISA! O Brigadista é aquele funcionário que tem outras atividades e que, normalmente de forma voluntária, adicionalmente faz parte da Brigada de Incêndio de seu local de trabalho, após treinamento previsto em lei. O Bombeiro Profissional Civil, como o nome já diz, é o profissional que tem dedicação exclusiva para prevenção e resposta a emergências, com treinamento e atuação também regulamentadas pela lei. Ambos são peças importantes e complementares em qualquer sistema de gerenciamento de emergências, mas são profissionais com atuações diferentes.


Esclarecimento feito, gostaria agora de discorrer sobre Comando e Controle e a definição das prioridades e objetivos na resposta a emergência. O tema já foi abordado várias vezes neste blog, como nos posts Avaliação inicial - Size-up, Combate a incêndio industrial – Objetivos táticos e, mais recentemente, no post sobre a abordagem norte-americana mais recente para definição de objetivos táticos em incêndios estruturais, a SLICE RS.


Treinamento de bombeiros nos EUA.
Bombeiros públicos, privados e brigadistas adotam o mesmo sistema de comando e controle.

(Foto: Sherri Abendroth  - www.flickr.com)

Ronaldo era o único BPC trabalhando na edificação, segundo a matéria de Veja São Paulo já citada, devido a seu parceiro estar no hospital com a filha. Essa situação por si só, embora não fosse ideal, não era intolerável. Vale lembrar aqui - sem examinar em maiores detalhes a situação específica do Museu - que a contratação de BPCs não exime a empresa de manter uma Brigada de Incêndio, salvo em condições especiais. A atuação inicial do BPC, ajudando na evasão dos funcionários do local, parece ter sido perfeita e completamente alinhada com a primeira prioridade tática da resposta ao incidente, que é a Segurança (life safety): a preservação da vida, dos socorristas e do público.

Porém, ao retornar sozinho para combater as chamas, a estabilização do incidente recebeu prioridade sobre a segurança, o que custou a vida do BPC. Não tenho informações para julgar porque essa decisão foi tomada e muito menos para censurá-la. É fácil, passadas semanas do incêndio, sentar-se ao computador e escrever sobre os possíveis erros de outros. Outra coisa é estar sozinho, defronte a um incêndio de grandes proporções e ter que tomar uma decisão rapidamente, sem ter todas as informações necessárias.

Apesar disso, o triste caso reforça a importância das prioridades táticas na resposta a incidentes:
1 - Segurança: preservação da vida, dos socorristas e do público.
2 - Estabilização do incidente: organização de esforços de maneira que o incidente não se propague.
3 - Conservação da propriedade (e do meio ambiente).

A aplicação dessas prioridades, e sempre nessa ordem, pode salvar vidas.

sábado, 2 de janeiro de 2016

Incêndio no Museu da Língua Portuguesa: Algumas Lições

Depois de um longo tempo sem publicar nenhum texto, volto ao blog Emergência Brasil. Além de me interessar muito pelo Gerenciamento de Emergências, creio que o tema sofre com uma falta de canais para discussão, em português e voltados para nossa realidade. Espero poder voltar a escrever de tempos em tempos e contribuir um pouco para melhorar essa situação. Como sempre, gostaria de receber comentários e sugestões, pois eles ajudam a melhorar o blog.

Um caso recente que esteve em evidência na imprensa é o do incêndio no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. Um incêndio de grandes proporções atingiu o museu no dia 21 de dezembro de 2015. O site do Valor Econômico informa que, “segundo o Corpo de Bombeiros, as chamas destruíram o segundo e o terceiro andares do prédio. O teto de madeira desabou. A estrutura da estação de trem, erguida em 1867, não sofreu dano”. Um Bombeiro Profissional Civil (BPC) que trabalhava no local morreu durante o incêndio. A Estação da Luz, que fica no mesmo local, ficou interditada por vários dias, abrindo parcialmente somente no dia 31 de dezembro.
 
O incêndio no Museu da Língua Portuguesa.
Foto: Vivian Gaspari (reprodução/Facebook) (catracalivre.com.br)

Vários temas relacionados ao Gerenciamento de Emergências podem ser discutidos a partir da trágica ocorrência. Neste post, vamos explorar algumas lições que podem ser aprendidas com a pior consequência do caso, a perda do Bombeiro.

Segundo a Veja São Paulo, o BPC Ronaldo Pereira da Cruz, de 38 anos, era o único Bombeiro trabalhando no museu naquele dia. Após retirar de 30 a 40 funcionários do prédio, que estava fechado à visitação, ele retornou para combater as chamas e veio a morrer, asfixiado pela fumaça.

É claro que as atitudes do BPC fizeram diferença para aquelas pessoas que ele conseguiu retirar do museu e que ele se foi como um herói. Apesar disso, eu sempre acreditei que uma das melhores maneiras de se homenagear alguém que perdeu a vida no cumprimento do dever é aprender com o caso, para que vidas possam ser poupadas no futuro.

Nesse caso, um dos pontos mais visíveis é a falta do equipamento de proteção respiratória. Para casos de emergência, o equipamento adequado é aquele autônomo, ou SCBA, em inglês. Um equipamento top de linha pode custar cerca de sete mil dólares e são poucas as empresas ou entidades particulares que contam com esse equipamento indispensável ao atendimento de emergências.

O incêndio na Ciferal em 2010.
Foto: Paulo Alvadia / Agência O Dia (odia.ig.com.br)


Esse não é o primeiro caso onde BPCs ou Brigadistas perdem a vida por falta da proteção respiratória. Em 22 de setembro de 2010, seis pessoas morreram e duas ficaram feridas em um incêndio na empresade carrocerias de ônibus Ciferal, em Duque de Caxias, RJ. Cinco dos mortos eram Brigadistas que combatiam um incêndio no estacionamento no porão da empresa, sem utilizar SCBAs.

Não custa lembrar que o Programa de Proteção Respiratória foi oficializado pela Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho através da Instrução Normativa nº 01, de 11 de abril de 1994, publicada no Diário Oficial da União em 15 de abril do mesmo ano, portanto há mais de vinte anos! Para quem ainda não tem, a publicação da Fundacentro "Programa de Proteção Respiratória: Recomendações, Seleção e Uso de Respiradores", coordenada pelo saudoso Professor Maurício Torloni, pode ser baixada gratuitamente a partir do website da Fundacentro.  

Está lá, em 4.3.2, a recomendação da proteção respiratória para ambientes com condições imediatamente perigosas à vida ou à saúde (IPVS), como é o caso de um incêndio estrutural:
O respirador que deve ser usado em condições IPVS provocadas pela presença de contaminantes tóxicos, ou pela redução do teor de oxigênio, (...) é a máscara autônoma de demanda com pressão positiva, ou uma combinação de um respirador de linha de ar comprimido com cilindro auxiliar para escape. Enquanto o trabalhador estiver no ambiente IPVS, uma pessoa, no mínimo, deve estar de prontidão, num local seguro, com o equipamento pronto para entrar e efetuar o resgate, se for necessário. Deve ser mantida a comunicação contínua (visual, pela voz, telefone, rádio ou outro sinal conveniente) entre o trabalhador que entrou no ambiente IPVS e o que está de prontidão (..)

Infelizmente, a lei não foi cumprida e as lições do passado não foram aprendidas... como resultado, mais um Bombeiro teve que perder a vida.

sábado, 16 de agosto de 2014

SLICE RS

Em uma postagem anterior, abordei os objetivos táticos no combate a incêndios industriais. Utilizei o acrônimo SICER RV (ou RECEO VS, em ingles) para colocar os objetivos táticos nessa situação:
- Salvamento (ou resgate)
- Isolamento das exposições
- Confinamento
- Extinção
- Rescaldo
- Recuperação/proteção de propriedade (salvage, em inglês)
- Ventilação




Depois de anos de pesquisa nos EUA, esse conceito está sendo revisto e o novo acrônimo SLICE RS está sendo usado:
- Avaliação inicial
- Localizar o fogo
- Identificar e controlar o fluxo de ar e gases quentes
- Resfriar de um local seguro
- Extinguir o fogo
- Resgate
- Recuperação/proteção de propriedade.


O novo acrônimo é totalmente aplicável nos incêndios estruturais interiores, especialmente com as construções utilizadas nos EUA e leva em conta as modificações ocorridas nas estruturas nos últimos tempo, como a maior presence de materiais sintéticos.


É interessante notar que o RECEO-VS pode continuar a ser usado para orientar as prioridades para o comando, enquanto o SLICE-RS descreve as ações das primeiras equipes no local.


Um video interessante produzido pela ISFSI e pela UL pode ser encontrado na internet: https://www.youtube.com/watch?v=X80yseC2fmQ&list=UU06fjjbLZl6_eGZ-754Vpjw







terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Homenagem

A foto é comovente. O filho do bombeiro William Tanksley, de Dallas, EUA, abraça o capacete do pai, morto em serviço ao ajudar um motorista em uma ponte congelada na semana passada.
 
 
 
Que essa postagem sirva como homenagem também aos nossos profissionais que perderam a vida em serviço e que nos faça pensar se lhes damos o devido valor.
 
 

Mais sobre fases do gerenciamento de emergências

Em um post anterior, falei sobre abordagem que divide o Gerenciamento de Emergências em quatro fases. Mas a nomenclatura dessas quatro fases pode causar alguma confusão.

Por exemplo, quando falamos sobre mitigação (em Gerenciamento de Emergências), estamos falando daquelas atividades para prevenir uma emergência, reduzir sua probabilidade de ocorrência ou ainda reduzir a severidade dos seus danos. Por outro lado, quando o mesmo termo é usado em Segurança de Processos, o sentido não é o de prevenir, mas apenas reduzir as consequências de um evento que já ocorreu. Na ilustração abaixo, sobre os métodos de redução de risco para plantas de processo, conforme a norma IEC 61511-1, fica claro que mitigação e prevenção são tratados como conceitos disitintos:


Redução de risco para plantas de processo, conforme a norma IEC 61511-1.

Dessa forma, mais importante do que a nomenclatura das fases em si, é entender o tipo de atividade que é realizada em cada uma delas.

A nomenclatura sequer é padronizada dentro do campo de Gerenciamento de Emergências: algumas vezes a fase de mitigação é as vezes chamada de "prevenção" ou "redução de desastres", por exemplo. Encontramos também a fase preparação sendo chamada algumas vezes de "planejamento" (embora eu considere que o planejamento seja uma das atividades da preparação). Já a recuperação é chamada também de "reconstrução" (esse é o marcador que uso nos meus posts).

Para quem quiser saber mais sobre a parte conceitual das fases do Gerenciamento de Emergências, uma leitura interessante é o paper The “Phases” of Emergency Management, de Malcolm E. Baird, que pode ser encontrado em http://www.vanderbilt.edu/vector/research/emmgtphases.pdf.